"The successor to politics will be propaganda. Propaganda, not in the sense of a message or ideology, but as the impact of the whole technology of the times."
Marshal McLuhan

domingo

A VR sob suspeita

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A aurora boreal e o arco-íris são as imagens virtuais da Natureza (ou de Deus). As pinturas rupestres esboçadas nas paredes das cavernas são as primeiras imagens virtuais da humanidade. Se aceitarmos que o virtual é «o que parece real mas não existe», a representação das caçadas são o dealbar de um longo caminho para a autonomia das imagens.

O Renascimento desenvolveu o carácter representativo da imagem somando-lhe uma terceira dimensão: a perspectiva. É um artifício técnico que permite iludir o «olhar», mecanismo mental de teor psico-cultural mais que fisiológico.

Na alvorada do séc XX, o «trompe d'oeil» anima-se com o nascimento do cinema. Terrificados, os espectadores saltam das suas cadeiras ante a imagem da locomotiva de Lumiére andando em sua direcção. É o momento alto da verosimilhança do virtual.

O Cubismo explora a tridimensionalidade dos objectos, representando-o desde múltiplas perspectivas impossíveis.

Os computadores, finalmente, permitem que as imagens em movimento sejam interactivas. Chegou a Realidade Virtual que, no entanto, conheceria ainda várias etapas: os jogos 2D (duas dimensões); os simuladores e os jogos 21/2D, com a incorporação do efeito de perspectiva às imagens de 2D; e os laboratórios virtuais onde os cientistas criam os seus próprios mundos e criaturas virtuais para melhor compreender o mundo e as criaturas reais (inteligência artificial, teoria do caos, etc.).

Neste momento apenas o ecrã de televisão se interpõe entre o virtual e o real. Com os capacetes de Realidade Virtual cria-se o «interface» definitivo que permite ao homem explorar os novos mundos. E brilha um novo arco-íris, «à imagem e semelhança» do Homem.

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A última ofensiva do americano Robert Showers na sua cruzada contra a violência atingiu a Realidade Virtual. Na última emissão do programa «The 700 Club», da CBN, Showers inferiu que se há violência a mais na televisão, no cinema e nos videojogos, o mesmo virá a acontecer nos programas de VR. Parece-nos correcto. O que já é exagero é sugerir que a VR está agora na mesma fase de desenvolvimento que a tv nos anos 30, e que seria a altura ideal para a controlar. Que raio de mania, essa do controlo. Mas não é só de violência que se trata. O mercado de videogramas pornográficos rende qualquer coisa como 12 biliões de dólares/ano. Segundo os «cruzados» a maior fatia de clientes vem da faixa etária dos 12-17 anos. Acontecerá o mesmo na VR? O cerne do problema reside na existência do mercado. A transfiguração tecnológica é só isso mesmo: tecnológica.

Entretanto, o golpe mais duro, e segundo a revista «Wired», foi a descoberta de que a VR pode causar lesões visuais aos seus utilizadores. A conclusão terá sido do SRI, a quem a SEGA encomendou um estudo sobre o assunto e cujos resultados, para já, não revela. «Binocular dysphoria»(???) é o que lhe chama a «Wired», uma alteração na percepção da perspectiva. Falta saber: é psíquico ou fisiológico? Ou ambos?

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As ideias nucleares da narrativa, primeiro: que a VR permite desenvolver ou aceder a partes adormecidas do cérebro (as tais que teriam, em tempos remotos, sido utilizadas por feiticeiros e alquimistas para a telecinética, telepatia, levitação, etc.,etc.); segundo: a possibilidade de renegar a existência fisíca, fundindo a mente no (ou com o) ciberespaço, elevando a estado de omnisciência perto da divindade; acabaram por ser temas de muitas histórias periféricas, sobretudo no campo dos «comics», onde os exemplos são tantos que seria obsceno referenciá-los. Neste caso, contudo, a matriz é melhor que as cópias.

A moda e o apetite voraz pelo «ciberpunk» parece exceder a capacidade criativa dos gurus do movimento. Devidamente contextualizado (no tempo, na ficção e nas imagens), The Lawnmoner Man é um filme valioso, mesmo que a tão propalada cena de sexo virtual seja descorçoante, ao qual não se deve minimizar um dos seus méritos inesperados: o futuro vai ser, também, assim.