"The successor to politics will be propaganda. Propaganda, not in the sense of a message or ideology, but as the impact of the whole technology of the times."
Marshal McLuhan

domingo

Liberdade e Segurança

Poucas horas após o atentado de 11 de Setembro, recebo um e-mail de John Perry Barlow garantindo-me a sua própria incolumidade e a da sua família. Mas este americano, amigo, verdadeiro “cow-boy” e fundador da Electronic Frontier Foundation, não é igual à maioria dos americanos, ou até, da população das democracias ocidentais. O seu espírito crítico – de “dissidente cognoscitivo”, tal como vem impresso no seu cartão de visita – não foi atordoado pelas espessas nuvens de fumo que saíam das Torres Gémeas de Nova Iorque.
Acompanhando o conforto da mensagem pessoal (e este não foi o único amigo que me deixou em cuidados, pelo que não confundam a minha opinião sobre os ataques terrorristas, independentemente do que mais adiante se escrever) vinha já o alerta lúcido de um homem que desde sempre pugnou pelo ideal de liberdade:
“Nada poderia servir melhor aqueles que acreditam que a segurança da América é mais importante que a liberdade da América, como os acontecimentos de hoje. Os tarados do controlo banquetear-se-ão neste dia pelo resto das nossas vidas.
Dentro de poucas horas, assistiremos ao início de um vigoroso movimento para acabar com o que resta da liberdade na América. Aqueles de vós que estejam dispostos a sacrificar um pouco da sua – largamente ilusória – segurança, em prol do credo nos ideais primordiais da América, terão de lutar a favor desses ideais de forma igualmente vigorosa.”
Barlow revelou-se premonitório, quando dois dias depois e em meia hora apenas, o Senado americano passou apressadamente legislação – o “Combating Terrorism Act” – sem a discussão que tal assunto necessariamente exigia. Poder-se-á falar de pânico e descontrolo, mas os mais cépticos de nós vislumbramos uma oportunidade não desperdiçada pelos falcões políticos. Seguiu-se o MATA, “Mobilization Against Terrorism Act”, proposto ao Congresso pelo Departamento de Justiça, legislação claramente atentatória às liberdades individuais e que permitirá às polícias a intercepção de comunicações electrónicas sem mandato judicial.

Ética e Comatose

O 11 de Setembro, para além de tudo o que já sabemos e não vale a pena repetir, foi a prova acabada do adormecimento e da falta de espírito crítico que assola as nossas sociedades. Desde os que, nos EUA, foram injuriados por no dia fatídico perguntarem “onde está o presidente?” -- e que triste foi ver Schwarznegger na NBC dizer que Bush era o verdadeiro “action hero” – ou por se atreverem a lembrar que a culpa dos atentados também pertencia à política externa seguida pelos últimos presidentes americanos; até aos linchamentos racistas e a não menos tolerável falácia dos mass media.
A CNN, neste particular, despiu-se de toda a ética: acreditamos que os festejos palestinos (pelo êxito dos atentados) exibidos por essa cadeia sejam realmente imagens recolhidas em 1991, quando da Guerra do Golfo; estranhamos que ninguém saiba que os direitos das mulheres na Arábia Saudita (naquela altura ainda um potencial aliado para estacionamento de tropas) ou na Argélia, p.e., não diferem substancialmente dos do Afganistão; pasmámos ao assistir à anunciada biografia de ben Laden, onde qualquer referência às suas relações passadas com a CIA e a política externa americana simplesmente não existiram. A crer na CNN, o homem nasceu após a expulsão dos soviéticos do Afganistão.
A comatose pública global e a forma tentacular como os memes dos massmedia se propagam ficou claramente provada a 11 de Setembro. A simples grafia do nome de Ussama ben Laden é um exemplo da incapacidade crítica (parabéns ao Diário de Notícias que desde sempre o escreveu correctamente) dos mass media, de como é hoje quase impossível distinguirmos os sinais do ruído.
Em Portugal, uma sondagem do jornal Público confirmou o horror: que as pessoas estão dispostas a abdicar de liberdade em troca de segurança. Um dos pilares da liberdade é respeitarmos a opinião dos outros. Mas custa-me a fazê-lo quando sei que têm os olhos e os ouvidos cheios de fumo. E eu, sem liberdade, não me sinto nada seguro.