A Crise
O Futuro já chegou. Só que não está equitativamente distribuído.
William Gibson
Num recente debate que juntou vários jornalistas especializados em tecnologias da informação, o tema da Nova Economia e da sua crise esteve bem vivo na sessão. Suponho que não poderia ser de outra forma.
Muitos foram os argumentos invocados, muitos os protagonistas, muitos os diagnósticos. A procura de uma razão será sempre um impulso incontornável em nós. Na verdade, têm de existir muitas razões: um acontecimento complexo que teve raízes económicas mas também sociais e intelectuais. As repercussões, de igual modo, se fazem sentir em todas essas esferas.
Mas uma razão é mais simples: reduz-se todo um processo a algo que facilmente se identifica, se comunica e, se for caso disso, se condena. Ou seja, pressinto que há também uma preversa busca da culpa quando se inquirem as razões. Talvez os cientistas queiram, em última análise, encontrar o culpado de tudo isto – o universo, a entropia, a luz. Como dizia Douglas Adams, “No início, o Universo foi criado. Isto enfureceu muita gente e tem sido geralmente encarado como uma má ideia”. E andamos todos à volta disto a ver se conseguimos encontrar alguém a quem pregar na cruz.
O culpado é a forma mais redutível do fenómeno. Tem ainda a vantagem de poder ser condenado e, com isso, podemo-nos sentir aliviados e fechar um ciclo. Essa expiação, contudo, nada resolve. Isto é do mais banal que se pode dizer: a condenação do assassino não devolve a vida à vítima.
Isto para dizer que, de uma forma previsível, se levantaram as vozes para apontar os culpados: os bancos e os financeiros que colocaram o dinheiro; os fabricantes que forneceram o hardware; os empreendedores e programadores que levantaram ideias e, finalmente, os jornalistas e “opinion makers” que fizeram eco e deram cobertura a esta imensa loucura. Por que não há outra coisa que se possa chamar a este enorme engano que foi a Nova Economia: uma alucinação colectiva. Sim, ainda me lembro da prestigiada (à altura) revista Wired ter incorrido no atrevimento de começar o seu editorial na própria capa dizendo qualquer coisa como “Nós vimos o futuro e ele chama-se push-media”. Desculpe, importa-se de repetir? Pushquê? Quando tempo durou, que frutos deu e quem sequer se lembra? E este é só um exemplo, entre muitos, de tecnologias (e modelos de negócio e modelos de consumo) que desapareceram tão rapidamente quanto surgiram.
Mas… será mesmo, mesmo assim? Não estou seguro de que hoje me sinta tentado a mudar muitas vírgulas ao que venho dizendo e escrevendo desde meados da década passada. Obviamente terei errado; mas o futuro está sempre a chegar e, com ele, a confirmação de que o mundo novo existe. Só que não ao mesmo tempo e para toda a gente, como quiseram crer os investidores e os vendedores de ideias. No essencial, as regras enunciadas por Kevin Kelly para a Nova Economia – que se sente desde meados do século XX e não é um fenómeno tão recente como nos querem fazer crer – descrevem com argúcia crítica as mudanças que acontecem e estão a acontecer. Não ficou dito, em lado nenhum, que era suposto falsificar contas e especular escandalosamente na bolsa. Isso foi um fenómeno marginal, infelizmente com enorme impacto na vida de todos nós. Mas se aceito uma crise económica (que remédio) recuso-me a aceitar a crise de fé. O futuro já chegou: compreendam-no.
William Gibson
Num recente debate que juntou vários jornalistas especializados em tecnologias da informação, o tema da Nova Economia e da sua crise esteve bem vivo na sessão. Suponho que não poderia ser de outra forma.
Muitos foram os argumentos invocados, muitos os protagonistas, muitos os diagnósticos. A procura de uma razão será sempre um impulso incontornável em nós. Na verdade, têm de existir muitas razões: um acontecimento complexo que teve raízes económicas mas também sociais e intelectuais. As repercussões, de igual modo, se fazem sentir em todas essas esferas.
Mas uma razão é mais simples: reduz-se todo um processo a algo que facilmente se identifica, se comunica e, se for caso disso, se condena. Ou seja, pressinto que há também uma preversa busca da culpa quando se inquirem as razões. Talvez os cientistas queiram, em última análise, encontrar o culpado de tudo isto – o universo, a entropia, a luz. Como dizia Douglas Adams, “No início, o Universo foi criado. Isto enfureceu muita gente e tem sido geralmente encarado como uma má ideia”. E andamos todos à volta disto a ver se conseguimos encontrar alguém a quem pregar na cruz.
O culpado é a forma mais redutível do fenómeno. Tem ainda a vantagem de poder ser condenado e, com isso, podemo-nos sentir aliviados e fechar um ciclo. Essa expiação, contudo, nada resolve. Isto é do mais banal que se pode dizer: a condenação do assassino não devolve a vida à vítima.
Isto para dizer que, de uma forma previsível, se levantaram as vozes para apontar os culpados: os bancos e os financeiros que colocaram o dinheiro; os fabricantes que forneceram o hardware; os empreendedores e programadores que levantaram ideias e, finalmente, os jornalistas e “opinion makers” que fizeram eco e deram cobertura a esta imensa loucura. Por que não há outra coisa que se possa chamar a este enorme engano que foi a Nova Economia: uma alucinação colectiva. Sim, ainda me lembro da prestigiada (à altura) revista Wired ter incorrido no atrevimento de começar o seu editorial na própria capa dizendo qualquer coisa como “Nós vimos o futuro e ele chama-se push-media”. Desculpe, importa-se de repetir? Pushquê? Quando tempo durou, que frutos deu e quem sequer se lembra? E este é só um exemplo, entre muitos, de tecnologias (e modelos de negócio e modelos de consumo) que desapareceram tão rapidamente quanto surgiram.
Mas… será mesmo, mesmo assim? Não estou seguro de que hoje me sinta tentado a mudar muitas vírgulas ao que venho dizendo e escrevendo desde meados da década passada. Obviamente terei errado; mas o futuro está sempre a chegar e, com ele, a confirmação de que o mundo novo existe. Só que não ao mesmo tempo e para toda a gente, como quiseram crer os investidores e os vendedores de ideias. No essencial, as regras enunciadas por Kevin Kelly para a Nova Economia – que se sente desde meados do século XX e não é um fenómeno tão recente como nos querem fazer crer – descrevem com argúcia crítica as mudanças que acontecem e estão a acontecer. Não ficou dito, em lado nenhum, que era suposto falsificar contas e especular escandalosamente na bolsa. Isso foi um fenómeno marginal, infelizmente com enorme impacto na vida de todos nós. Mas se aceito uma crise económica (que remédio) recuso-me a aceitar a crise de fé. O futuro já chegou: compreendam-no.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home