O amor é eterno?
A questão radical que mais do que nunca hoje se põe é a de dar um sentido à vida. E a única resposta que podemos encontrar é a de que a vida já é resposta bastante.
Vergílio Ferreira
Chega Agosto e não se fala de cibernética, telemática e afins. Não cai bem: é altura de pegar nos livros que não se leu durante o ano, sob o calor reconfortante do sol, e partir para lugares invisíveis.
O sol faz-me sempre lembrar, em primeiro lugar, Camus e o mistério da existência… de como o estrangeiro mata porque foi encadeado. Um gesto simples, um acontecimento banal, e a vida se esvai. Para sempre. O tempo acabou. Ou não?
Borges recorreu à desaprovação de Nietzsche de que se falasse de Goethe e de Schiller na mesma frase para nos dizer que pensava ser “igualmente irrespetuoso hablar del espacio y del tiempo”. Argumentou Borges que podemos prescindir -- no nosso pensamento, na nossa mente -- do espaço mas não do tempo.
Imagine-se o leitor numa câmara de privação sensorial. Não há luz. Não há qualquer ruído. O tacto é uma sensação de flutuação num líquido morno. Deixou de haver lugar. Mas há uma última coisa que esta privação jamais nos pode tirar: a experiência do tempo, por muito alterada ou alucinada que ela seja (esta parece ser a própria intenção da câmara de privação).
O tempo não precisa de instrumentos ou medidas; nós precisamos disso para o compreender, medir, comunicar, mas ele em si existe para além disso. Juntamente com a memória – que não é outra coisa que uma medida do tempo -- ele é a coisa última que resta a uma mente sem percepção; é a derradeira emoção que constrói a nossa própria consciência. O tempo é, então, absoluto?
Talvez não. Talvez seja apenas “Uma imagem fluída da eternidade”, como disse Platão?
Newton e a física mecanicista que perdurou até finais do séc. XIX acreditavam que o tempo era absoluto. Que era igual aqui e em toda a parte e decorria continuamente. Tal era a visão do mundo e do seu funcionamento, pois o tempo é uma constante necessária às equações da mecânica. Contudo, a teoria da relatividade e um pouco mais tarde a física quântica vieram desviar o tempo do centro da explicação do universo. Ele já não é igual em todo o lado, e quando dizemos “todo o lado” já não referimos à esquerda e à direita, mas em profundidade, ao nível sub-atómico ou macroscópico.
Tanto a ciência do séc. XX como a intuição dos filósofos e dos escritores sugerem que há algo que vem ainda antes ou depois do tempo, ou melhor dizendo, alguma coisa que é superior ou anterior ao tempo.
Sem querer pretender (no sentido de: pretencioso) tocar essa coisa para além do humano, diga-se que talvez ela possa ser experimentada de várias maneiras e certamente que cada um de nós já a (pres)sentiu. E para tal lhe deixo, em laia de despedida de férias, dois avisos plagiados de Vergílio Ferreira, um imenso escritor.
Sinta o sol e ame os seus livros, “Toda a obra que nos atinge vivemo-la no absoluto e o tempo espera suspenso na sua duração”. E se encontrar alguém especial na toalha ao lado, ame-o como se mais ninguém houvesse porque “o amor eterno existe, enquanto dura”. É isso mesmo: para nós que não somos deuses, o eterno não é uma grandeza, é uma intensidade.
Vergílio Ferreira
Chega Agosto e não se fala de cibernética, telemática e afins. Não cai bem: é altura de pegar nos livros que não se leu durante o ano, sob o calor reconfortante do sol, e partir para lugares invisíveis.
O sol faz-me sempre lembrar, em primeiro lugar, Camus e o mistério da existência… de como o estrangeiro mata porque foi encadeado. Um gesto simples, um acontecimento banal, e a vida se esvai. Para sempre. O tempo acabou. Ou não?
Borges recorreu à desaprovação de Nietzsche de que se falasse de Goethe e de Schiller na mesma frase para nos dizer que pensava ser “igualmente irrespetuoso hablar del espacio y del tiempo”. Argumentou Borges que podemos prescindir -- no nosso pensamento, na nossa mente -- do espaço mas não do tempo.
Imagine-se o leitor numa câmara de privação sensorial. Não há luz. Não há qualquer ruído. O tacto é uma sensação de flutuação num líquido morno. Deixou de haver lugar. Mas há uma última coisa que esta privação jamais nos pode tirar: a experiência do tempo, por muito alterada ou alucinada que ela seja (esta parece ser a própria intenção da câmara de privação).
O tempo não precisa de instrumentos ou medidas; nós precisamos disso para o compreender, medir, comunicar, mas ele em si existe para além disso. Juntamente com a memória – que não é outra coisa que uma medida do tempo -- ele é a coisa última que resta a uma mente sem percepção; é a derradeira emoção que constrói a nossa própria consciência. O tempo é, então, absoluto?
Talvez não. Talvez seja apenas “Uma imagem fluída da eternidade”, como disse Platão?
Newton e a física mecanicista que perdurou até finais do séc. XIX acreditavam que o tempo era absoluto. Que era igual aqui e em toda a parte e decorria continuamente. Tal era a visão do mundo e do seu funcionamento, pois o tempo é uma constante necessária às equações da mecânica. Contudo, a teoria da relatividade e um pouco mais tarde a física quântica vieram desviar o tempo do centro da explicação do universo. Ele já não é igual em todo o lado, e quando dizemos “todo o lado” já não referimos à esquerda e à direita, mas em profundidade, ao nível sub-atómico ou macroscópico.
Tanto a ciência do séc. XX como a intuição dos filósofos e dos escritores sugerem que há algo que vem ainda antes ou depois do tempo, ou melhor dizendo, alguma coisa que é superior ou anterior ao tempo.
Sem querer pretender (no sentido de: pretencioso) tocar essa coisa para além do humano, diga-se que talvez ela possa ser experimentada de várias maneiras e certamente que cada um de nós já a (pres)sentiu. E para tal lhe deixo, em laia de despedida de férias, dois avisos plagiados de Vergílio Ferreira, um imenso escritor.
Sinta o sol e ame os seus livros, “Toda a obra que nos atinge vivemo-la no absoluto e o tempo espera suspenso na sua duração”. E se encontrar alguém especial na toalha ao lado, ame-o como se mais ninguém houvesse porque “o amor eterno existe, enquanto dura”. É isso mesmo: para nós que não somos deuses, o eterno não é uma grandeza, é uma intensidade.
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