O 2º Ciclo Virtuoso: Erro
Quantas vezes já ouviu o cliché “é importante aprender com os erros”? Dá-se de barato a necessidade de desculpabilização que a frase em si carrega. Se “errar é humano”, porque havemos de pedir desculpa pela nossa humanidade? Importante mesmo é saber isto: não perca tempo a aprender com os erros. E sabe porquê? Porque estará a desperdiçar útil e precioso tempo que podia ser gasto a fazer novas e maiores asneiras.
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Há alguns decénios atrás, implantou-se uma estranha ideologia da síntese e da busca da perfeição. Não são exactamente almas gémeas, mas bem as podemos considerar as principais fontes do grande disparate que hoje grassa pelas multidões. Da síntese, que germina terceiras vias e religiões panteístas; aplica as equações quânticas ao estudo da psicologia e os princípios da entropia às enxaquecas, não iremos hoje falar. Não é possível explicar tudo pelas mesmas palavras. Esqueçam. Deus não é tudo, nem tudo é Deus. Ele há coisas do Diabo, e enfim…
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O pianista Thelonius Monk afirmou certa vez que não havia gostado de um seu concerto por neste terem acontecido “poucos erros”. A perfeição, para Monk, era apenas e só a condição para o aparecimento do erro.
Esticada aos seus limites possíveis, então a música abre fendas, foras-de-tempo, desarmonias, que provam ter-se feito o hum
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Muitas coisas -- interessantes -- são erros. A Coca-Cola, por exemplo, é um erro. O empregado da drogaria, na ausência do patrão, não soube o que misturar ao xarope por este inventado e juntou-lhe água gazeificada. O cliente adorou. Tanto que comprou a patente. O resto é História. Ou tudo isto é lenda mas pouco importa.
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A indústria dos jogos (uma indústria recente que reflecte os tempos com precisão) que é hoje, ao fim de uns meros vinte anos, uma das mais lucrativas do planeta, foi fortemente estabelecida por erros.
Peter Molineaux conseguiu fazer o seu primeiro jogo porque um tipo se enganou no número de telefone (queria falar com uma empresa Bull-qualquer-coisa e não com a Bullfrog). Passou o tempo a falar de uma aplicação para correr sobre os Amiga, mas nunca disse exactamente que aplicação era essa (os tipos da Bull-qualquer-coisa deviam saber) e Molineaux “não se descoseu”. Forneceram-lhe cinco computadores Amiga e começou a desenvolver jogos.
A Playstation foi outro erro. Desta feita, a Sony já tinha investido uns bons milhões no desenvolvimento de um protótipo de consola que funcionasse com CD-Rom, quando a Nintendo desistiu da encomenda, optando por manter o “velho” cartucho como suporte do software. Sem saber nada da indústria dos jogos, a Sony, ferida no seu orgulho, resolveu lançar ela mesmo a consola. Que, por acaso, até deu cabo do share de mercado da Nintendo. Assim nasceu a Playstation. “Há males que vêm por bem”, deve sussurar-se nos corredores da Sony. E há muitas histórias do género neste meio.
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Tom Peters[1] dedicou quase um capítulo inteiro a este assunto. “Ready. Fire! Aim…”, diz ele. Disparar primeiro e apontar depois. A vida é um jogo de arcada a velocidade estonteante. Esqueça a mira. Dispare, indiscriminadamente, para sobreviver.
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Para Peters, um dos grandes problemas dos negócios é a “armadilha da Coca-Cola”. Imaginemos investir numa ideia que não pode falhar: um refrigerante totalmente à base de açucar e corantes. E o problema é este: se alguém entende o seu conceito, então é porque ele nada tem de novo. Vai ser apenas segundo. Nunca será, realmente, uma “nova Coca-Cola”, mas sim “mais uma Coca-Cola”. Outra.
Se você entende o conceito -- afirma Peters -- então os seus competidores também o entendem.
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“In this company, you'll be fired for not making mistakes”. Quem o disse foi Steve Ross, antigo patrão da Time Warner, um dos maiores empórios dos media. “Make mistakes faster”, é a fórmula de Andy Groove, presidente da Intel e autor do seminal “Only the Paranoid Survive”. Ludwig Wittgenstein dizia-o doutra forma: “se por vezes as pessoas não fizessem asneiras, nada de inteligente alguma vez seria feito”. O Cubismo é uma asneira. A física quântica é uma asneira. A mutação é uma asneira.
Tom Peters remata: “os erros não são o sal da vida, os erros são a vida. Os erros não devem ser tolerados; devem ser encorajados”.
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O que se está a tentar explicar é isto: o erro é, por excelência, o local onde nasce o novo, o surpreendente, o meteórico sucesso. A Coca-Cola e a Playstation são o que são, mas vale pouco a pena repetir-lhes as fórmulas. Em vez disso, descubra-se algo de novo. Tente repetir-se, não o produto, mas sim o erro. Talvez daí nasça algo que a todos espante. O ambiente propício ao erro não é, contudo, muito fácil de criar ou gerir. Isto porque as velhas ideias inicialmente referidas ainda habitam as mentes. Mas há leis que podem ajudar.
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Bruce Mau[2], cujo “An Incomplete Manifesto for Growth” não nos cansamos de citar, dedica dois dos seus versículos a esta questão.
Primeiro: “Ame as suas experiências (como amaria um filho feio)”. A alegria é o motor do crescimento. Explore a liberdade de moldar o seu trabalho como belas experiências, iterações, tentativas e erros. Siga o caminho longo e permita-se o prazer de falhar todos os dias.
Segundo: “Capture acidentes”. A resposta errada é a resposta certa na busca de uma pergunta diferente. Coleccione respostas erradas como parte do processo. Faça perguntas diferentes.
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A garagem -- não a empresa ou o laboratório -- é um sítio abençoado para a asneira. Foi numa garagem que nasceram os Beatles, os computadores pessoais (Jobs e Wozniak) e a Amazon.com (Jeff Bezos) só para citar três exemplos. Não é difícil entender porquê: releia os versículos de Bruce Mau e repare na compatibilidade de processos. A garagem não é uma garantia de sucesso, mas é divertida. Qualquer que seja o resultado.
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Pergunte-se: já fiz alguma asneira hoje? Senão, de que está à espera?
[1] Peters, Tom, The Circle of Innovatio - You Can’t Shrink Your Way to Greatness (Nova Iorque, Vintage, 1999)
[2] Bruce Mau apresentou An Incomplete Manifesto for Growth em conferência no Doors of Perception 5/Play, Amsterdão 1998. A versão completa foi publicada na revista I.D. (Nova Iorque: Março/Abril 1999)
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