"The successor to politics will be propaganda. Propaganda, not in the sense of a message or ideology, but as the impact of the whole technology of the times."
Marshal McLuhan

sábado

O 2º Ciclo Virtuoso: Erro

Quantas vezes já ouviu o cliché “é importante aprender com os erros”? Dá-se de barato a necessidade de desculpabilização que a frase em si carrega. Se “errar é humano”, porque havemos de pedir desculpa pela nossa humanidade? Importante mesmo é saber isto: não perca tempo a aprender com os erros. E sabe porquê? Porque estará a desperdiçar útil e precioso tempo que podia ser gasto a fazer novas e maiores asneiras.

Há alguns decénios atrás, implantou-se uma estranha ideologia da síntese e da busca da perfeição. Não são exactamente almas gémeas, mas bem as podemos considerar as principais fontes do grande disparate que hoje grassa pelas multidões. Da síntese, que germina terceiras vias e religiões panteístas; aplica as equações quânticas ao estudo da psicologia e os princípios da entropia às enxaquecas, não iremos hoje falar. Não é possível explicar tudo pelas mesmas palavras. Esqueçam. Deus não é tudo, nem tudo é Deus. Ele há coisas do Diabo, e enfim…

O pianista Thelonius Monk afirmou certa vez que não havia gostado de um seu concerto por neste terem acontecido “poucos erros”. A perfeição, para Monk, era apenas e só a condição para o aparecimento do erro.

Esticada aos seus limites possíveis, então a música abre fendas, foras-de-tempo, desarmonias, que provam ter-se feito o humanamente impossível, atingindo o fracasso. Nenhuma outra ilação se pode daqui tirar, a não ser a vontade de repetir. Muitas vezes Monk conseguia-o; por vezes não. E quando não existiam erros, ficava decepcionado.

Muitas coisas -- interessantes -- são erros. A Coca-Cola, por exemplo, é um erro. O empregado da drogaria, na ausência do patrão, não soube o que misturar ao xarope por este inventado e juntou-lhe água gazeificada. O cliente adorou. Tanto que comprou a patente. O resto é História. Ou tudo isto é lenda mas pouco importa.

A indústria dos jogos (uma indústria recente que reflecte os tempos com precisão) que é hoje, ao fim de uns meros vinte anos, uma das mais lucrativas do planeta, foi fortemente estabelecida por erros.

Peter Molineaux conseguiu fazer o seu primeiro jogo porque um tipo se enganou no número de telefone (queria falar com uma empresa Bull-qualquer-coisa e não com a Bullfrog). Passou o tempo a falar de uma aplicação para correr sobre os Amiga, mas nunca disse exactamente que aplicação era essa (os tipos da Bull-qualquer-coisa deviam saber) e Molineaux “não se descoseu”. Forneceram-lhe cinco computadores Amiga e começou a desenvolver jogos.

A Playstation foi outro erro. Desta feita, a Sony já tinha investido uns bons milhões no desenvolvimento de um protótipo de consola que funcionasse com CD-Rom, quando a Nintendo desistiu da encomenda, optando por manter o “velho” cartucho como suporte do software. Sem saber nada da indústria dos jogos, a Sony, ferida no seu orgulho, resolveu lançar ela mesmo a consola. Que, por acaso, até deu cabo do share de mercado da Nintendo. Assim nasceu a Playstation. “Há males que vêm por bem”, deve sussurar-se nos corredores da Sony. E há muitas histórias do género neste meio.

Tom Peters[1] dedicou quase um capítulo inteiro a este assunto. “Ready. Fire! Aim…”, diz ele. Disparar primeiro e apontar depois. A vida é um jogo de arcada a velocidade estonteante. Esqueça a mira. Dispare, indiscriminadamente, para sobreviver.

Para Peters, um dos grandes problemas dos negócios é a “armadilha da Coca-Cola”. Imaginemos investir numa ideia que não pode falhar: um refrigerante totalmente à base de açucar e corantes. E o problema é este: se alguém entende o seu conceito, então é porque ele nada tem de novo. Vai ser apenas segundo. Nunca será, realmente, uma “nova Coca-Cola”, mas sim “mais uma Coca-Cola”. Outra.

Se você entende o conceito -- afirma Peters -- então os seus competidores também o entendem.

“In this company, you'll be fired for not making mistakes”. Quem o disse foi Steve Ross, antigo patrão da Time Warner, um dos maiores empórios dos media. “Make mistakes faster”, é a fórmula de Andy Groove, presidente da Intel e autor do seminal “Only the Paranoid Survive”. Ludwig Wittgenstein dizia-o doutra forma: “se por vezes as pessoas não fizessem asneiras, nada de inteligente alguma vez seria feito”. O Cubismo é uma asneira. A física quântica é uma asneira. A mutação é uma asneira.

Tom Peters remata: “os erros não são o sal da vida, os erros são a vida. Os erros não devem ser tolerados; devem ser encorajados”.

O que se está a tentar explicar é isto: o erro é, por excelência, o local onde nasce o novo, o surpreendente, o meteórico sucesso. A Coca-Cola e a Playstation são o que são, mas vale pouco a pena repetir-lhes as fórmulas. Em vez disso, descubra-se algo de novo. Tente repetir-se, não o produto, mas sim o erro. Talvez daí nasça algo que a todos espante. O ambiente propício ao erro não é, contudo, muito fácil de criar ou gerir. Isto porque as velhas ideias inicialmente referidas ainda habitam as mentes. Mas há leis que podem ajudar.

Bruce Mau[2], cujo “An Incomplete Manifesto for Growth” não nos cansamos de citar, dedica dois dos seus versículos a esta questão.

Primeiro: “Ame as suas experiências (como amaria um filho feio)”. A alegria é o motor do crescimento. Explore a liberdade de moldar o seu trabalho como belas experiências, iterações, tentativas e erros. Siga o caminho longo e permita-se o prazer de falhar todos os dias.

Segundo: “Capture acidentes”. A resposta errada é a resposta certa na busca de uma pergunta diferente. Coleccione respostas erradas como parte do processo. Faça perguntas diferentes.

A garagem -- não a empresa ou o laboratório -- é um sítio abençoado para a asneira. Foi numa garagem que nasceram os Beatles, os computadores pessoais (Jobs e Wozniak) e a Amazon.com (Jeff Bezos) só para citar três exemplos. Não é difícil entender porquê: releia os versículos de Bruce Mau e repare na compatibilidade de processos. A garagem não é uma garantia de sucesso, mas é divertida. Qualquer que seja o resultado.

Pergunte-se: já fiz alguma asneira hoje? Senão, de que está à espera?



[1] Peters, Tom, The Circle of Innovatio - You Can’t Shrink Your Way to Greatness (Nova Iorque, Vintage, 1999)

[2] Bruce Mau apresentou An Incomplete Manifesto for Growth em conferência no Doors of Perception 5/Play, Amsterdão 1998. A versão completa foi publicada na revista I.D. (Nova Iorque: Março/Abril 1999)