"The successor to politics will be propaganda. Propaganda, not in the sense of a message or ideology, but as the impact of the whole technology of the times."
Marshal McLuhan

terça-feira

O super-organismo da informação

Quando pensares um grande projecto, escreve-o na poeira
para que ao minímo escrupúlo, nada reste dele
Lao Tsé

[ este texto foi publicado na revista Ideias & Negócios]

No caso a que interessam particularmente estas páginas – o mundo das redes e o mundo do virtual -- não é possível deixar de vislumbrar uma certa ironia nesta coisa do início. Primeiro, porque está tudo, efectivamente, no começo. Segundo, porque a experiência já não é o que era. Ou seja, não há fórmulas, muito embora existam exemplos que, porém, de pouco nos servem.
Numa sociedade em velocidade acelerada pouco há para aprender com os erros. Já não há tempo para o aperfeiçoamento e a busca do estado-da-arte; nem espaço para a cópia e o mais-do-mesmo . A única coisa que nos espera é errar, errar, errar… até acertar. Parece aterrador? É sim, mas também não deixa de ser divertido.

A MENSAGEM DA TECNOLOGIA

O que caracteriza o momento actual é a súbita deslocação da tecnologia: desde a periferia para o epicentro da vida humana. A alavanca apenas potencia o músculo e, nesse contexto meramente manual, o homem assume ainda o controlo. Mas a “nova” tecnologia – a alta tecnologia, as tecnologias da comunicação e os media – vieram afectar a um nível profundo a expressão, a percepção e o pensamento humanos, varrendo pelo caminho os velhos paradigmas do poder e da economia. Uma alavanca para a mente, se assim nos é permitido dizer.
Dito de outra forma – de uma forma mcluhanista -- a tecnologia é o meio que transforma, hoje e radicalmente, as leis pelas quais regemos a nossa(s) sociedade(s) e a nossa(s) economia(s). E a sua mensagem são os efeitos, psiquícos e socias, individuais e colectivos, no homem. O modo como o meio afecta e transforma as nossas vidas é mais importante do que o modo como afecta o que pensamos. “Os efeitos da tecnologia não ocorrem ao nível das opiniões ou conceitos, mas alterando os rácios dos sentidos e os modelos de percepção, continuadamente e sem resistência”, escreveu Marshall McLuhan. Um mundo em que os custos de operação do marketing e da publicidade são, normalmente, muito superiores aos da cadeia de produção industrial.
O planeta foi várias vezes visceralmente afectado por meios que reconfiguraram o espaço e diminuíram a distância: o comboio, a auto-estrada, o avião. Mas nenhuma dessas reconfigurações foi tão radical quanto a realizada pela electricidade. A electricidade matou, definitivamente, a distância, acentuando a simultaneidade entre a acção e a retroacção. Sem tempo de resposta e sem distanciamento, somos obrigados a procurar novas respostas, novas formas de lidar com um mundo que implode pela força das redes e da electricidade.

A COMUNICAÇÃO É A ECONOMIA

Diz Kevin Kelly no seu último livro (já voltaremos a ele):
Esta nova economia tem três características particulares: é global. Favorece coisas intangíveis – ideias, informação e relações. E é intensamente interligada. Estes três atributos produzem um novo tipo de mercado e sociedade, que tem as suas raízes nas ubíquas redes electrónicas”.
Global, intangível e interligada! Não será demais lembrar: o contrário de mercados locais, de matérias-primas e átomos, e compartimentado.
Todas as economias assentam em redes e energia. Desde o paleolítico, em que as pistas para as minas de siléx condicionavam os movimentos das tribos, até aos exemplos mais modernos: o caminho de ferro, a rede viária, a aviação. A electricidade faz um movimento semelhante: do telégrafo ao telefone e deste à Internet. Kevin Kelly argumenta que a comunicação – da qual falamos quando referimos os media e a tecnologia do digital – não é um um sector da economia mas sim que a comunicação é a economia. Ao desvirmo-nos das velhas redes espaciais para as redes saturadas de tecnologia – as redes digitais – estamos também a desviar-nos do tipo de transacções, valor, e bens que antes referiam riqueza: do tangível para o intangível.

NOVA ECONOMIA, NOVAS REGRAS

É chegado o momento de aconselhar aos leitores a rápida e atenta leitura de New Rules for the New Economy -- Kevin Kelly, Penguin Books, 1998. O editor-executivo da Wired publicou, nessa revista e à dois anos atrás, um artigo com o mesmo título onde delineava doze princípios gerais do funcionamento da “nova economia”. Um ano depois, Kelly reduziu estes a apenas dez e condensou-os num livro admirável e surpreendente.
Algumas das ideias deste livro são frontalmente opostas ao senso comum em vigor e, por essa razão, a sua leitura é tão urgente. Damos alguns exemplos...
-- O valor está na abundância e não na raridade (os diamantes já não valem nada comparados com uma rede de telemóveis). “Pense na primeira máquina de fax moderna que saiu da fábrica em 1965. Apesar dos milhões de dólares gastos na sua I&D, não valia nada. Zero. A máquina de fax que se seguiu deu à primeira algum valor. Já havia alguém a quem enviar um fax.”
-- O gratuito produz riqueza (vejam o caso da indústria de free/share/software, olhem para serviços como o Yahoo!, Hotmail e Geocities). “Hoje em dia é raro o software que não se introduza no mercado gratuito como uma versão beta. Há cinquenta anos atrás, a ideia de lançar um produto inacabado teria sido considerada cobarde, vergonhosa ou idiota”. E se você chegasse ao seu Conselho de administração a propor dar em vez de vender, seria sumariamente despedido.
-- Abandonar um produto ou um serviço quando este atinge a sua rendabilidade máxima de modo a não cair na curva do obsoleto (seria uma boa altura para desistir do fabrico de fibras ópticas). A domesticação do desconhecido significa, inevitavelmente, o abandono do que é conhecido e bem sucedido; Recusar a harmonia, abraçar a instabilidade. Porque a turbulência é hoje norma e devemos inovar sempre. Na expessa teia da Economia de Rede o ciclo “descobre, nutre, destrói” acontece mais rapidamente e com maior intensidade que nunca.
-- Não resolver problemas. Esta é, talvez, das leis mais importantes! “Quando estão a resolver problemas, estão a investir nas vossas fraquezas; quando procuram oportunidades, estão a confiar na rede”. Ou, na forma de slogan imortal: não resolva os problemas, crie oportunidades. Fui capaz de o convencer?

Veja as redes como um organismo: vivo, criativo, mutável. Em adaptação contínua e trocas de energia constantes, a informação fluindo e alterando-lhe o comportamento.
Veja a economia, que assenta hoje numa rede só comparável a uma rede neuronal, como um organismo também. Esqueça as equações e faça ginástica. Não pense duas vezes a mesma ideia. Faça mesmo antes de pensar, sem medo de errar. E prepare-se para a aventura da sua vida. Pode ser difícil, mas as oportunidades são inesgotáveis.