"The successor to politics will be propaganda. Propaganda, not in the sense of a message or ideology, but as the impact of the whole technology of the times."
Marshal McLuhan

terça-feira

O deus das máquinas

Francisco Teodoro MacMurtrie Figueiroa Abril nasceu no Novo México em 1961. Hoje constrói robôs (que, na maior parte dos casos com propriedade, insiste em chamar máquinas).
Em Abril deste ano e no Lab de S. Francisco, Chico MacMurtrie e o seu grupo -- Amorphic Robot Works -- levou a cabo o seu mais ousado espectáculo até hoje: «The Amorphic Evolution», um misto de performance e concerto musical, interpretado por cerca de cinquenta máquinas. E máquinas porquê? Porque, com excepção de «O Trepador» (um robô de forma antropo-simiesca que trepa por uma corda -- faz lembrar um ministro a subir a um coqueiro -- e desce quando atinge uma determinada altura) todos os outros mecanismos de MacMurtrie são controlados à distância através de um software proprietário que corre em Mac. Ou seja, as «criaturas» de «The Amorphic Evolution» não são dotadas de qualquer cérebro (leia-se: sensores, programa, etc.). São desenhadas para realizar um certo movimento como, por exemplo, tocar num tambor. Se retirarmos o tambor, porém, a «criatura» continuará a tocar no vazio, cegamente.
Mas apesar deste lado absolutamente mecânico, há algo que nos perturba intensamente na obra de MacMurtrie: por um lado o antropomorfismo das
máquinas; e por outro as metáforas.
Desde as formas quadrúpedes que caminham em direcção à forma humana que encima uma esfera (o planeta); dos trejeitos sexuais; do mecanismo construtor de paisagens; ou, finalmente, a metáfora ao «grande consumidor» que se auto-destrói pelo crescimento desenfreado; Chico MacMurtrie consegue, de uma forma admirável, fazer cruzar várias narrativas pelo espaço das suas performances.
Ao contrário de muitos outros trabalhos neste campo, as máquinas de MacMurtrie funcionam como personagens num imenso Caos (apenas aparente, MacMurtrie é o Deus e o software a sua palavra) incapazes de conhecer o seu próprio destino ou devir, mas operando como um colectivo donde se extrai significados. OOps! Estaremos a falar da humanidade?
Desse imenso teatro dos imbecis?
...
«De acordo com Dennett, não há lugar nenhum que controle o comportamento, lugar nenhum que crie o «caminhar», lugar nenhum onde a alma do ser resida. Dennett: "O que há com os cérebros é que quando olhas lá para dentro descobres que não está ninguém em casa" (...)
diz Dennett que "o significado emerge da interacção distribuída de muitas pequenas coisas, cada uma das quais não significa nada"(...) "Não existe um fluir da consciência. Existem eclosões múltiplas de consciência; vários e diferentes fluxos, nenhum dos quais pode ser distinguido individualmente como o fluir". Em 1874, o pioneiro da psicologia, William James, escreveu: "...a mente é, a cada estádio, um palco de simultâneas possibilidades. A consciência consiste na comparação destas com cada uma delas, a selecção de algumas, e a supressão do resto...".
O conceito da cacofonia de ideias alternativas combinando-se para formar o que nós entendemos como inteligência unificada é o que Marvin Minsky chama "sociedade da mente". Minsky diz, simplesmente, "Podes construir uma mente de muitas pequenas partes, cada uma delas sem qualquer inteligência". Imagine, sugere ele, um simples cérebro composto por especialistas separados, cada um deles preocupado com um importante objectivo (ou instinto) como assegurar alimento, bebida, abrigo, reprodução, ou defesa. Individualmente, cada é um imbecil; mas juntos, organizados em vários arrajos distintos numa teia hierarquizada de controlo, podem criar o pensamento. Minsky atesta enfaticamente: "Não se pode ter inteligência sem uma sociedade da mente. Só se conseguem coisas inteligentes a partir de coisas estúpidas".»
Como falámos de divindade, recorri à Bíblia. O texto acima foi extraído das págs 42 e 43 de «Out Of Control», de Kevin Kelly (vénia). Daqui a pouco já
cá voltamos.
...
Mark Pauline:
«Penso que os humanos irão acumular habilidades artificiais e mecânicas, enquanto as máquinas irão acumular inteligência biológica. Isto fará o confronto entre os dois ainda menos decisivo e moralmente claro do que o é hoje».
...
O jornal espanhol La Vanguardia publicou uma estatística da AER (Associação Espanhola de Robótica) onde se afirma que de um total de 3.974 robôs existentes em Espanha, 2.242 operam no sector automóvel, e os restantes 1.732 em outras indústrias, grande parte das quais subcontratadas pela própria indústria automóvel. A grande maioria da população robótica espanhola -- e, estamos em crer, mundial -- dedica-se à soldadura.
Que descoroçoante!
...
O trabalho de Chico MacMurtrie, Mark Pauline e alguns outros (quase todos californianos, vá-se lá saber porquê:-) serve para retomar frentes abandonadas da batalha pela vida e inteligência artificial.
Desde o aparecimento dos vírus -- programas que se reproduzem -- ao mais recentes tecno-parasitas (de que aqui falámos em Junho) a vida para além do orgânico está de novo lançada. Rodney Brooks «alimenta a biberão» o seu Cog -- um bebé de metal, plástico e silicone com duas câmaras no lugar dos olhos e oito processadores de 32-bit -- tentando que ele aprenda as coisas da vida como qualquer criatura. Patti Maes constroi os seus agentes inteligentes. E a Warner vai lançar em breve (a data oficial foi ontem) um jogo chamado «Creatures» em que é suposto colocarmos à prova os nossos valores morais.
«Creatures» funciona assim: há umas criaturas -- em princípio alíegenas -- que nascem de ovos, e a quem é necessário ensinar algumas regras básicas de sobrevivência e de convivência social. As criaturas aprendem não só do que os jogadores lhes «uploadam», mas também umas com as outras. Uma versão digital do DNA garante que cada uma das criaturas seja diferente de todas as outras, variando, por exemplo, o grau de inteligência. Nos testes, ficou provado que estas criaturas podem desenvolver preconceitos (expulsaram uma criatura cuja cor era demasiado brilhante!), se tornam violentas quando violentadas frequentemente ou mesmo, dizem as más línguas, ao passar pela fase da adolescência arrombaram o armário das bebidas com resultados, no minímo, desastrosos.
Será que, como acredita Kelly, nós somos também uma simulação que Deus colocou a correr? Olhós bugs, meu!
...
E terminamos com Kevin Kelly, ele mesmo:
«A maior consequência social da revolução Darwinista foi a aceitação pelos humanos que os humanos eram descendentes ocasionais dos macacos, nem perfeitos, nem engenharizados. A maior consequência social da civilização neo-biológica será a aceitação pelos humanos que os humanos são os antecessores ocasionais das máquinas, e que tal como as máquinas também podemos ser engenharizados.
Gostaria de sintetizar ainda mais: a evolução Natural insiste que somos macacos; a evolução artificial insiste em que somos máquinas com atitude».
Bem, se sou um programa (ou uma máquina) vou-me desligar. Bzoing!