"The successor to politics will be propaganda. Propaganda, not in the sense of a message or ideology, but as the impact of the whole technology of the times."
Marshal McLuhan

domingo

O declínio do império

«Os habitantes das cidades mergulham na satisfação que lhes é oferecida pelo bem-estar e o desafogo, vivem num estado de despreocupação que se tornou uma segunda natureza (…) Procuram o repouso, a tranquilidade e a ociosidade. Ocupam-se a construir belos edíficios, belas casas e a adquirir ricas roupagens. Erguem palácios, constroem fontes, plantam jardins e dedicam-se ao gozo dos bens mundanos. Preferem o repouso às fadigas, apenas se preocupam com belas roupas, pratos requintados, baixelas e tapetes (…) Gasta-se mais do que se recebe, a receita torna-se insuficiente, os pobres morrem na miséria, os ricos dissipam o seu dinheiro em despesas de luxo, e este estado de coisas piora de geração em geração, até que as receitas se tornam insuficientes. Começa-se então a sentir o pavor da carência (…) Como as necessidades do governo se multiplicam, os impostos elevam-se e pesam fortemente sobre o povo (…) Servir-se dos homens para lhes ficar com o dinheiro, é tirar-lhes a vontade de trabalhar para obter mais, pois eles vêem que no fim nada lhes resta.»
Diga-me sinceramente, caro leitor, não se aplicam estas palavras com bastante precisão ao que assiste hoje à sua volta? Talvez esperasse encontrar “estádios de futebol” onde se lê “palácios”. E com razão, já que estas palavras foram escritas há mais de quinhentos anos: saíram elas da pena de Ibn Khâldun, historiador árabe dos séculos XIV-XV e intímo de Tamerlão (1336-1405) o conquistador mongol.
Se quiser, volte atrás e releia. Eu espero.
Há cinco séculos anos atrás, Ibn Khâldun prospectivava assim a queda do Islão, tornando-se quiçá o primeiro historiador a intuir que a vida das civilizações obedece a padrões cíclicos. Oswald Spengler (1880-1836) que deu o título de “Declínio do Ocidente” ao seu mais importante livro, definiu os impérios como organismos: nascem, vivem e morrem. Mas de absoluta relevância para o que aqui se pretende, é a afirmação de Spengler de que os impérios em ruínas investem cada vez menos nas actividades civis -- educação, p.e. -- e mais no sector militar. Uma resposta paranóica a potenciais ameaças, como se a ruína fosse obra do exterior e não do interior. O problema aqui é óbvio: uma economia fortemente alicerçada no militarismo necessita, eventualmente, de comercializar a produção bélica àqueles que serão os seus coveiros num futuro próximo. Vê o leitor algum tipo de semelhança com a recente história dos Estados Unidos?
Tendo como certo que mais dia, menos dia, o actual império ruirá, resta saber o que se segue. À nova ordem mundial, que tem a sua cabeça e o seu polícia bem identificados, poderemos nós aspirar, finalmente, à Aldeia Global? Um novo império desterritorializado, assente em novos paradigmas sócio-políticos e económicos?
O problema são, apesar de tudo as fundações do império; as ruínas sobre as quais se contruirá o novo (recordemos que a Europa se construiu sobre o traçado das vias romanas tanto como sobre as suas leis).
Se reduzirmos o mundo a uma aldeia de cem pessoas; cem pessoas que representem a actual população do planeta, são estas as pessoas que aí habitariam: 57 asiáticos, 21 europeus, 14 do hemisfério ocidental, norte e sul, 8 africanos. 52 mulheres e 48 homens. 70 não-brancos e 30 caucasianos. 70 não-cristãos e 30 cristãos. 89 heterosexuais e 11 homosexuais.
Mas mais importante é saber as condições em que viveriam: 6 pessoas possuíriam 59 por cento de toda a riqueza mundial, e 6 pessoas seriam dos Estados Unidos. 80 viveriam em habitações decrépitas. 70 não saberiam ler. 50 sofreriam de malnutrição. Um estaria prestes a morrer, outro prestes a nascer. Um, e apenas um, teria educação académica. Um teria computador.
Pois…