O Império do tacto
Nunca como hoje o homem se entregou à ditadura da visão. A leitura, a fotografia, o cinema e a televisão são os meios utilizados por cada um de nós para comunicarmos com o destino (leia-se: o real). Já nem sequer a música resiste a ser ilustrada
Kirk Woolford, um americano radicado na Alemanha, é um dos autores do projecto CyberSM, um sistema de comunicação audio-táctil que ficou conhecido na Europa como a primeira experiência no domínio do cibersexo. Aproveitámos a sua presença no Workshop Virtual Environments (Coimbra, Outubro passado) para historiar um dos acontecimentos mais quentes da Realidade Virtual em 1993, e seguir o desenvolvimento posterior deste cientista que acredita no toque como linguagem.
Muito embora Kirk Woolford recuse liminarmente a colagem do chavão cibersexo às suas experiências, o nome CyberSM inspirou-se nos primeiros fatos (data-suits) construídos no MIT, à base de couro e plástico negros, salpicados de fios e sensores que relembram a iconografia sado-masoquista. Há também uma razão de ordem funcional: na experiência de CyberSM, o controlo das sensações que cada um pode sentir está entregue aos desejos do outro. «Quando entramos num mundo virtual, entramos também no mundo de alguém», diz Kirk. Mas afinal como é que tudo isto funciona?
CyberSM
A panóplia do CyberSM é composta por dois fatos interligados à distância, com capacidade de gerar vibrações e choques eléctricos, e uma base de dados com a qual se constroem corpos virtuais a partir de várias dezenas de corpos previamente «scannerizados». Para além da linha (ISDN) que transporta as informações do toque (vibração ou choque eléctrico), existe ainda uma linha áudio para a voz. Uma vez vestido o fato e construído o corpo virtual no computador, a imagem deste vai aparecer no ecrã do interlocutor, e é sobre esse corpo virtual que ele actua, através de um simples cursor. E vice-versa. Os comandos aplicados sobre o corpo virtual são então traduzidos pelo computador remoto em vibrações ou choques produzidos no fato sobre o corpo real.
Na primeira experiência, realizada entre Paris e Colónia, a localização do toque foi propositadamente alterada pelo programa, de modo a «incentivar o diálogo e a exploração do corpo do outro». Auch! acabaste de me mandar duzentos volts ao umbigo! Mas quando os participantes não conseguiam comunicar através de uma língua comum (um utilizador de Paris só falava francês e o de Colónia inglês e alemão) não resistiam mais que alguns minutos, caindo no aborrecimento. Para Kirk Woolford foi a desilusão, «afinal tínhamos criado um método de ilustrar uma conversa telefónica com o tacto». A resolução do toque mostrou-se demasiado limitada para que os participantes dialogassem a esse nível, forçando-os a uma relação familiar e conhecida: a conversa telefónica.
«O projecto CyberSM não se confronta apenas com problemas da utilização do corpo humano como "interface", mas também com a percepção cultural do tacto». É deste modo que Kirk explica a colagem do chavão cibersexo ao projecto, pois, segundo ele, «o toque mais comum entre as pessoas, para muitos até o único toque que reconhecem, é sexual. Contudo, a interpretação que os media fizeram, revelou as fragilidades do projecto. Quando nos tocamos, a localização e a qualidade do toque significam mais do que o simples acto de tocar. A construção do CyberSM não permite este tipo de subtileza».
Foi este sistema que Kirk Woolford trouxe até Coimbra, onde foi notada a sua potencialidade no campo dos invisuais. Mas o investigador ainda tem alguns problemas, o menos dos quais é o obstáculo da roupa (já que o vento só funciona directamente sobre a pele): «Acredito que é possível utilizar o tacto como forma de comunicarmos uns com os outros. Mas estas experiências ainda estão muito longe de uma "resolução fotográfica", tal como ela já existe na criação de imagens virtuais".
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