"The successor to politics will be propaganda. Propaganda, not in the sense of a message or ideology, but as the impact of the whole technology of the times."
Marshal McLuhan

domingo

Media como placenta

O mercado da bolsa não é a única crise à vista para a Internet tal como a conhecemos. Até certo ponto, acredito que a momentânea desconfiança dos investimentos se prende mais com questões emanentes da mensagem do projecto tecnológico do que com questões de rentabilidade financeira. Com algum rigor pode afirmar-se que as empresas centradas em conteúdos para ecrã de computador não parecem ter um grande futuro à sua frente (e nestas incluiem-se a maioria das empresas referenciais da nova economia, nomeadamente as media darling e campeãs de bolsa).
Os portais actuais são, hoje, o paradigma de um mundo que se denuncia como estando à beira da extinção: tanta tecnologia para pouco mais que letras míopes e botões reactivos. Por instantes, vivemos intensamente um período de interactividade com conteúdos cuja resolução é menor que os mapas pré-Descobrimentos. Como escrevia Jimmy Guterman há uns cinco anos atrás: "Abra um livro. Uma página de texto dactilografado pode suster mais de cinco mil caracteres. Veja um mapa. Se estiver razoavelmente desenhado, dez centímetros quadrados podem revelar uma dúzia ou mais de informações, assim como várias relações. Agora ligue o seu computador. Você está a navegar através de informação complexa, apoiado num interface gráfico do melhor que a ciência é capaz, mas está de volta à era negra da resolução da informação: mesmo o mais preciso terminal trabalha a uma densidade informativa de apenas um décimo da de um mapa ou de uma página de texto".
Acreditamos que as coisas vão mudar com a chegada do tempo em que o mundo e os objectos que nos rodeiam se tornam "imbuídos de media" (livremente traduzindo uma das mais felizes expressões anglo-saxónicas: embedded media).
O declínio do PC já foi aqui antes abordado. Mas a ameaça que então se previu toma formas cada vez mais concretas. Dois exemplos: o telemóvel V.2288 da Motorola, comercializado a um preço compatível com o gosto dos adolescentes, que além de voz e Wap possui sintonia de rádio FM; e o novo artefacto da Samsung que incorpora um leitor de MP3 com o telemóvel (16MB de memória, ou seja, umas quatro músicas). Para o final do ano está prometida a decuplicação da largura de banda dos telemóveis e o primeiro destes aparelhos com ecrã a cores.
O audiovisual -- noção que aqui abrange os produtores de cinema e televisão -- atravessou duas longas décadas de crise constante, à qual os muitos milhões de investimento europeu nunca conseguiu dar a volta. Nestes últimos anos foi praticamente esquecido pelo vocabulário político e dos media, substituído pela paixão multimédia. Na verdade, isto apenas aconteceu porque o hardware e a largura de banda nos obrigaram os sentidos a retornar à Idade das cavernas.
Mas uma vez que a largura de banda cresce exponencialmente e os objectos se tornam altamente contudores, veremos renascer o "velho" audiovisual -- media rico em som e imagem -- numa combinação perfeita com o "novo" multimédia -- capacidade de interagir com os conteúdos. Estamos finalmente chegados ao momento em que os conteúdos contidos na terminologia audiovisual e multimédia vão convergir. E, melhor, vão cobrir-nos como placenta. Não há qualquer rebuscamento simbólico na frase: é assim mesmo que as coisas vão acontecer.