"The successor to politics will be propaganda. Propaganda, not in the sense of a message or ideology, but as the impact of the whole technology of the times."
Marshal McLuhan

domingo

Sob vigilância

Há dois meses atrás tive a oportunidade de juntar, num seminário dedicado ao tema “Sob Vigilância” – o tema do primeiro Festival de Imagem de Oeiras -- um grupo de pensadores notável: António Machuco Rosa, David Wood, Geert Lovink, José Bragança de Miranda, Manuel DeLanda e Paulo Cunha e Silva.
Com tamanha latitude, supostas conclusões nunca estiveram no horizonte; antes pretendia um vasto espectro de questões, de formas de olhar, analisar e, obviamente, de nos preocuparmos com tema tão omnipresente na caminhada humana.
Mas se dúvidas subsistissem ainda, ficou claro que o programa da vigilância está imbuído na própria cultura: da vigilância do próprio corpo (diagnóstico e terapêutica) de que falou Paulo Cunha e Silva, à arquitectura de identificação e memória da Internet relatada por António Machuco, passando pelos muitos e novos dispositivos tecnológicos denunciados por David Wood; a monitorização das acções e comportamentos está hoje no epicentro da tecnologia cuja principal força motriz é, como se sabe, a indústria da guerra.
Mas se há guerras que, por motivos históricos, já não somos facilmente tentados a argumentar – a guerra entre nações, por questões de economia e espaço – outras há que nos deixam perplexos. Falo, claro, da guerra dos estados contra os seus cidadãos, das empresas contra o consumidor, enfim, do homem contra o homem.
Conhecimento e informação são as chaves para o exercício do controlo. É verdade que também se vigia o clima, por exemplo, e com isso se podem salvar vidas. É verdade que se vigia o trânsito. É verdade que se vigiam as crianças. Talvez nem todos os vigilantes se dirijam para o Inferno.
Mas “a tendência moderna de resolver problemas políticos de modo técnico”, como afirma Bragança de Miranda, está a levar-nos a constructos que ultrapassam a nossa própria capacidade de controlo – mecanismos autónomos cuja eficácia técnica confundimos com exercício de boa ética -- e, logo, de questionarmos e avaliarmos continuamente os nossos objectivos como indivíduos e sociedade.
Esta tecnologia, capaz de responder instantaneamente aos problemas (à velocidade da luz) ao contrário dos parlamentos, governos ou pessoas, está obviamente fora de controlo. Afirmou Virilio que “Hoje, empregamos os três atributos do divino: a ubiquidade, a instantaneidade, a imediatidade; a omnividência e a omnipotência”. E conclui: “Já nada tem a ver com democracia, é uma tirania”.
Pouco importa se é uma tirania das máquinas; se uma tirania de quem construiu as máquinas; se uma tirania de quem autorizou que outros construissem as máquinas. Do ponto de vista do escravo, só importa a liberdade. Não interessa contra quem.