Pesadelo com o Grande Irmão (1984?)
O soma de Huxley --a droga alienante que permitia manipular as massas em «O Admirável Mundo Novo» -- parece-me, ainda hoje, uma metáfora mais eficiente que o mundo policial de Orwell, tão predestinado à queda quanto o muro de Berlim. Vigiar não basta, o que é preciso é alienar. E a televisão, naturalmente, funcionaria no imaginário como figura de estilo da massificação, da manipulação ou, simplesmente, do puro mal encarnado no hertz. O que na última década foi brilhantemente denunciado em «Poltergeist» (Hooper) e «Videodrome» (Cronenberg) até à catarse máxima de «Natural Born Killers». 84 é a capicua de 48, «o ano da televisão».
Ao contrário do que Michael Crichton previu, não vivemos os tempos da extinção dos mediassauros. O que os colossos fazem é adaptar-se. Aproveitar o gene mutante que lhes diz: desloca-te para a Net!
À fragmentação das audiências sucede-se a fragmentação dos conteúdos. Mas continuamos a ver (quase) a mesma coisa. É a liberdade dos que confudem criatividade com comprar no supermercado (como dizia Douglas Coupland em «Geração X»).
O céu por cima do porto era da cor de um aparelho de TV sintonizado num canal sem emissão.
William Gibson
William Gibson nasceu em 1948. Em 1984 escreveu «Neuromancer» e criou o ciberespaço. É só uma ironia dos digitos, nada mais. Passados estes anos após o nada, a Internet caiu na rua como uma chuva ácida de dimensões planetárias. Estava (está) criado o mito da liberdade da informação. O sistema não parece, no entanto, preparado para sobreviver a esta nova nanofragmentação. O excesso de informação transformou o sinal em ruído: alt.policromático veio a ser alt.policromático.azul.azul-claro.cian.anil o que, convenhamos, é demasiado para os delicados mecanismos da percepção humana. A contracorrente logo produz novas sínteses, alicerçadas no mais elementar efeito de náusea: exibicionismo e voyeurismo.
Os heróis passam do vinil para o CD para o CD-Rom para a www.page.heróis para o heróis.com (NASDAQ) e às tantas perdêmo-los de vista. Podiam ser pessoas normais como nós. Que raio!, podiam ser um de nós. Com eles transfere-se a mentalidade e a moralidade dos vigilantes. A aldeia global está prestes a falhar, não porque McLuhan se tenha enganado acerca da electricidade mas porque a electricidade nunca mudou de mãos. A extensão electrónica do homem, como ele maravilhosamente colocou a questão, ainda é, e só, a extensão electrónica dos meios de comunicação. O que não significa o mesmo.
Outro dos conceitos chave do profético McLuhan --o meio é a mensagem-- continua a ser uma frase enigmática, mesmo nos laboratórios «hi-tech», onde os cientistas teimam em olhar para a VR, a vida artificial ou a nanomanipulação como tecnologia e não como media.
Do efeito de narrowcasting resultou a preversa centrífugação dos meios de comunicação, o entupimento de todas as vias que a tecnologia tornou possíveis. Abriram-se portais para todas as dimensões. E para além desses portais chegámos de novo ao local de onde haviamos partido, num castigo divino de implosão.
É certo que há efeitos colaterais da tecnologia. É certo que o futuro nos surpreende. Mas tinha de ser o Grande Irmão???
(P.S. : repararam que uma parte significativa da Internet portuguesa foi, pela primeira vez, abaixo por excesso de tráfego no dia em que estreou «O Grande Irmão»?)
Ao contrário do que Michael Crichton previu, não vivemos os tempos da extinção dos mediassauros. O que os colossos fazem é adaptar-se. Aproveitar o gene mutante que lhes diz: desloca-te para a Net!
À fragmentação das audiências sucede-se a fragmentação dos conteúdos. Mas continuamos a ver (quase) a mesma coisa. É a liberdade dos que confudem criatividade com comprar no supermercado (como dizia Douglas Coupland em «Geração X»).
O céu por cima do porto era da cor de um aparelho de TV sintonizado num canal sem emissão.
William Gibson
William Gibson nasceu em 1948. Em 1984 escreveu «Neuromancer» e criou o ciberespaço. É só uma ironia dos digitos, nada mais. Passados estes anos após o nada, a Internet caiu na rua como uma chuva ácida de dimensões planetárias. Estava (está) criado o mito da liberdade da informação. O sistema não parece, no entanto, preparado para sobreviver a esta nova nanofragmentação. O excesso de informação transformou o sinal em ruído: alt.policromático veio a ser alt.policromático.azul.azul-claro.cian.anil o que, convenhamos, é demasiado para os delicados mecanismos da percepção humana. A contracorrente logo produz novas sínteses, alicerçadas no mais elementar efeito de náusea: exibicionismo e voyeurismo.
Os heróis passam do vinil para o CD para o CD-Rom para a www.page.heróis para o heróis.com (NASDAQ) e às tantas perdêmo-los de vista. Podiam ser pessoas normais como nós. Que raio!, podiam ser um de nós. Com eles transfere-se a mentalidade e a moralidade dos vigilantes. A aldeia global está prestes a falhar, não porque McLuhan se tenha enganado acerca da electricidade mas porque a electricidade nunca mudou de mãos. A extensão electrónica do homem, como ele maravilhosamente colocou a questão, ainda é, e só, a extensão electrónica dos meios de comunicação. O que não significa o mesmo.
Outro dos conceitos chave do profético McLuhan --o meio é a mensagem-- continua a ser uma frase enigmática, mesmo nos laboratórios «hi-tech», onde os cientistas teimam em olhar para a VR, a vida artificial ou a nanomanipulação como tecnologia e não como media.
Do efeito de narrowcasting resultou a preversa centrífugação dos meios de comunicação, o entupimento de todas as vias que a tecnologia tornou possíveis. Abriram-se portais para todas as dimensões. E para além desses portais chegámos de novo ao local de onde haviamos partido, num castigo divino de implosão.
É certo que há efeitos colaterais da tecnologia. É certo que o futuro nos surpreende. Mas tinha de ser o Grande Irmão???
(P.S. : repararam que uma parte significativa da Internet portuguesa foi, pela primeira vez, abaixo por excesso de tráfego no dia em que estreou «O Grande Irmão»?)
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