"The successor to politics will be propaganda. Propaganda, not in the sense of a message or ideology, but as the impact of the whole technology of the times."
Marshal McLuhan

domingo

Para acabar com o silêncio

A pedofilia é, para nossa grande vergonha, o “tema do momento”. Não só em Portugal mas por muitas outras paragens. Sem exagero, o termo começou a ouvir-se com alguma frequência há uns anos atrás, quando se falava de uma novidade chamada Internet. Fiquei fulo. E ainda hoje julgo que foi uma das maiores imbecilidades promovidas por algum mass media. A perversão está e sempre esteve lá – em sítios insuspeitados e há dezenas de anos como veio agora a provar-se -- independentemente dos media que são utilizados para a propagandear ou vender.
Mas os media – a informação -- são, obviamente, uma coisa boa: acabam com o silêncio. Investigam e denunciam. Onde os outros calaram, governantes incluídos, os jornalistas deram voz e esperança de justiça às vítimas.
Eu seja paranóico se até aqui não há “modismos”. A denúncia de uma certa irregularidade, crime ou perversão, parece comportar-se como a àgua atingida por um seixo. Primeiro a Bélgica, depois os padres católicos dos Estados Unidos, agora uma das mais prestigiadas instituições de ensino e apoio aos jovens em Portugal. E agora que todos falam a alto e bom som, nada pode remediar o que já foi mas é bem possível que se consigam evitar muitas coisas que aconteceriam caso as pessoas, as crianças inclusive, não estivessem tão bem informadas e, sobretudo, livres de um qualquer estigma social que os tem levado ao silêncio. Falar abertamente das coisas é bom (hoje estou a redundar evidências, mas é mesmo isso que pretendo).
Também é verdade que se tem falado demais. Porventura violando a privacidade das vítimas; ameaçando o noutros aspectos óptimo desempenho e bom nome de uma instituição; ocorrendo, até e mais grave, em falsas acusações. Porventura fomentando a paranóia social – eu adoro crianças e costumo “meter-me” com elas; virá o dia em que tal atitude venha a ser mal interpretada? Já vi disso na Bélgica, espero nunca o ver neste país.
É verdade que hoje se fala demais: nasceu uma geração televisiva de especialistas em tudo e mais alguma coisa, comentadores de banalidades e desenhadores de perfis que não acrescentam nada ao óbvio. Este é o problema; logo a polícia deve investigar, o promotor acusar, o tribunal julgar e a sociedade fazer o possível para atenuar o trauma das vítimas, em solidariedade sentida.
Mas um dos factos mais curiosos de todo este assunto foi a repetida repugnância que alguns jornalistas (e não só) revelaram sobre a exibição de um filme pedófilo na televisão. Em suma foi este o discurso: que o direito de informar não inclui o direito de chocar. Pois bem, com todo o respeito pelas crianças violentadas desta forma, digo que me foi igualmente chocante ver, há muitos anos atrás (em meados dos anos oitenta) as crianças da Etiópia com as suas barrigas dilatadas pela doença de Kwashiorkor e morrendo de fome. Mas foram essas imagens que inspiraram Bob Geldof ao Live Aid e a comunidade mundial à ajuda humanitária. Foi com essas imagens que, chocados, acordámos. Foram essas imagens que acabaram com o silêncio.
Quando se fala de coisas tão importantes para a sociedade e para o nosso lugar nela enquanto cidadãos – como crianças perecendo de malnutrição ou violentadas por pornógrafos – não será excessivamente burguês mostrar tais pruridos morais com as imagens? Meus caros opinion makers, a vida real não é um reality show... é algo bem mais sério.