"The successor to politics will be propaganda. Propaganda, not in the sense of a message or ideology, but as the impact of the whole technology of the times."
Marshal McLuhan

domingo

Os cometas NASDAQ

No seu número de Janeiro, uma das revistas referenciais da Nova Economia -- a "Red Herring" -- colocava de fora a AOL na sua escolha dos dez melhores investimentos bolsistas deste século (o que começa e não o que acaba). Razão apontada: a AOL estaria valorizada ao seu máximo ou já sobrevalorizada. Como que por ironia seguia-se um artigo, "Chasing a Chimera", que trazia por subtítulo o seguinte: it's hard to find a believable value for a share of America Online.
Entretanto, a realidade desmentiu imediatamente este trabalho de jornalismo sério. Mais que um engano, que em verdade nos parece não ter existido, a "Red Herring" foi ultrapassada por uma economia que se move à velocidade dos quanta.
A compra da Time Warner, o maior conglomerado da indústria de conteúdos com um século de história, pela AOL, o maior ISP do mundo ao fim de meros quinze anos de actividade, anuncia a vitória das startups num mundo onde os gigantes temem os seus próprios pés de barro. Aparecendo do nada, como cometas flamejantes do NASDAQ e do Dow Jones, estas startups aproveitam a sua sobrevalorização em bolsa para engolir empresas com maior activos e proveitos, como se as regras da economia tenham entrado em efeito warp. A razão disto até pode não ser difícil de encontrar: eles, os cometas, possuiem os modelos de negócio correctos. Ou podem proceder à sua integração com os sistemas mais pesados do passado.
Apesar dos activos e dos lucros da Time Warner superarem em duas vezes e meia os da AOL, os accionistas desta última deterão 55 por cento da nova empresa o que, por eliminação, deixa os actuais accionistas da Time Warner em desvantagem. A verdade é que a capitalização bolsista da AOL (164 mil milhões de dólares) é praticamente duas vezes superior à da Time Warner (83 mil milhões de dólares). Em tudo isto só se pode concluir que a expectativa vale hoje mais que os lucros e activos.
Em abono da verdade, diga-se que Steve Case, da AOL, fez todas as compras certas: a CompuServe, a Netscape e a israelita Mirabilis, criadora do ICQ, hoje por hoje um dos programas de comunicação instantânea mais disseminados por esse ciberespaço fora. Esta estratégia, devidamente recompensada pela confiança bolsista, preparou-o para estar onde está hoje: com a CNN, Time Warner Cable, Home Box Office, Cinemax, TBS, CDNow, Lorimar, Warner Bros, Turner Entretainment, ou seja, uma mistura explosiva de conteúdos com um sistema de distribuição via fibra óptica. Não façam confusão: não só se trata do maior conglomerado da nova geração, como começa aqui, de modo explícito, a Nova Economia. Vejamos: ao contrário das pouco fiáveis linhas telefónicas, a cablagem permite identificar com um elevado grau de certeza o consumidor individual. Pense-se agora na reformulação do pensamento do marketing. Hoje, a estratégia fundamental do marketing já não é vender o mesmo produto ao maior número de consumidores possíveis, mas sim vender o maior número de produtos possíveis a um único consumidor. O paradigma inverteu-se completamente.
Sabendo identificar o consumidor (ultrapassando o maior obstáculo que as pessoas colocam ao comércio online: a segurança) utilizando toda a tecnologia de construção de perfis aprendida nos cookies e nas bases de dados, a fusão da AOL e da Warner prefigura esse novo tempo em que seremos consumidores individuais, identificáveis um-a-um, e já não massas estatísticas. Fica também ameaçado -- e ferozmente -- o reino da privacidade. Mas isso é outra conversa. Como disse uma vez Negroponte: a liberdade é como o ar; só quando nos falta lhe damos importância.