"The successor to politics will be propaganda. Propaganda, not in the sense of a message or ideology, but as the impact of the whole technology of the times."
Marshal McLuhan

domingo

Morte em Génova

Atacar um jipe da polícia com um extintor não é, seguramente, agir com civilidade por muito que nos assistam. Não é, também, o melhor modo de expressar uma ideia, por muito justa e nova que acreditemos que esta seja. Ser sumariamente baleado e o já cadáver atropelado é, todavia, uma resposta desproporcionada, em excesso de nojo e violência. Considerando o treino específico de quem perpetuou a acção, trata-se de um tremendo acidente -- que pesará para sempre na consciência do culpado -- ou o mais puro assassinato a sangue frio. Mesmo em termos mediáticos, não foi o primeiro, não é único, nem será, certa e infelizmente, o último. Do Vietname ao Brasil, passando por Tianamen, o assassínio sem escrúpulo dos cidadãos às mãos das polícias ou dos militares tem sido das imagens mais aterradores que nos são dadas ver. O facto de Génova pertencer a um país da Europa não deve surpreender: a força dos Estados pode ser latente, mas está sempre lá, mesmo que de vez em quando se vote.
O que é singularmente perverso na morte de Génova, é que ao contrário das situações anteriores, um paramilitar matou um seu compatriota para defender uma “cambada de estrangeiros refastelados no palácio” (passe a expressão, estamos só a acentuar o ponto de vista). O inverso, exactamente, do que nos ditam as gloriosas histórias patrióticas das nações. Como justificará – se para tanto tiver consciência – um polícia italiano a morte de um cidadão italiano, quando a maior parte dos que supostamente defendia não são de Génova, não são seus compatriotas? Como metáfora da globalização, convenhamos que não nos podia ter saído melhor.
Mas o que é ainda mais estupefactivo, é o imenso mistério que nos assalta quando pretendemos entender o discurso da anti-globalização. Algumas das ideias que nos chegam são completamente globalizantes: as ecológicas (que nomeadamente criticam os EUA de não terem aceite limitar as emissões de dióxido de carbono) e algumas económicas (que defendem menor dicotomia entre Norte e Sul). Outras aparentam ser, realmente anti-globalização, no sentido que são “anti-imperalistas”. Mas não há aqui nada de novo, nem sequer o termo: a esquerda luta contra o imperialismo norte-americano desde a Segunda Grande Guerra e a direita, desde essa mesma altura, fê-lo contra o falecido imperalismo soviético.
Destes ecos se depreendem alguns paradoxos. Na verdade, só uma atitude global nos pode defender das graves misérias, desigualdades e, sobretudo, da deteorização do ambiente e do Planeta. Não me parece existir qualquer outra via. Por outro lado, erram os que pensam que a globalização é um mero mecanismo (político, económico…) que pode ser ligado e desligado. A globalização é um estado de consciência: desde que vimos o planeta redondo e azul profundo que não há caminho para trás. Sabemos que um bater de asas de borboleta provoca uma tempestade e um vídeo-amador de polícias a espancar um negro geram uma rebelião urbana. Haverá muita gente para quem isto ainda não aconteceu, mas esses não estavam nas ruas de Génova, nem sabem onde ela fica.
De Porto Alegre, nomeadamente, chegou-nos outra concepção de globalização – mais humanista da que está a ser levada a cabo pelas superpotências e aproximada ao que acabámos de referir -- mas parece que não é esta que saiu para as ruas de Génova. Sinceramente, não entendo o que está a acontecer.
Restam-me duas explicações (haverá certamente espirítos clarividentes que vejam outras) nenhuma das quais tranquilizadora. A primeiro: que se trata de um novo tipo de violência urbana, impulsionada pelas cada vez piores condições materiais e, sobretudo, espirituais de vida na sociedade moderna. Uma insatisfação desesperada capaz de sair à rua por (quase) qualquer motivo e passível de incendiar-se facilmente. Não é gratuita, note-se, mas não assenta em nenhum sistema de ideias e reinvidicações claras.
Ou a segunda, também preocupante: que a globalização terá definitivamente destruído a capacidade de se dizerem e ouvirem novos discursos críticos; que o mundo mass mediático destruiu finalmente a oportunidade de seja quem for construir o seu discurso para além dos limites impostos. Que dificilmente se repetirão fenómenos como o do comandante Marcos, que soube abrir brechas no sistema. Parece absurdo, mas não é impossível.