No tempo em que as máquinas falaram
These are the days of miracle and wonder
This is the long distance call
Paul Simon, “The Boy in the Bubble”
Já lá vão mais de trinta anos desde que as primeiras duas máquinas falaram entre si -- note a antropomorfização semântica -- utilizando o protocolo TCP/IP. Quer isso dizer que muitos de nós, a acreditar no perfil de leitores, somos já de uma época telemática. Enfim, para ser um pouco mais correcto, o ciclo da telemática começou há mais de um século, com Franklin, Morse, Marconi, Edison e alguns outros aventureiros. O mundo eléctrico, implosivo, atemporal, iniciou-se algures aí. E o ciclo que de certo modo se fechou com o TCP/IP é o do paradigma do bidireccionalidade. Ligar a Costa Leste à Costa Oeste através de uma gigantesca linha férrea. Ligar a Europa à América por um cabo submarino. Eis o sonho entre-os-séculos: ligar dois pontos distantes entre si, tornando a passagem de um para o outro o mais rápido possível até ao tempo real.
A 2 de Setembro de 1969 começou outro tempo: o tempo da mediação telemática entre sistemas de informação maquinais, mais rigorosos, talvez, mas menos complexos e ricos que os sistemas de informação biológicos (leia-se: mentes humanas). No entanto, os primeiros aportam uma enorme vantagem: podem ser partilhados entre várias pessoas enquanto nós, tanto quanto saiba, ainda não conseguimos viver “dentro da cabeça” uns dos outros.
O que o TCP/IP antecipou é a alocação de um espaço – ou de uma ideia de espaço – ao mundo virtual, essa terra de ninguém que irrompe na distância que separa duas pessoas. Esse espaço -- genialmente sintetizado por William Gibson como uma “alucinação consensual” -- pôde ser, finalmente e através das máquinas, negociado colectivamente e manter-se de uma forma não perene.
Se é a John Perry Barlow que continuamos a dever a melhor explicação (porque mais simples) deste lugar afísico – “ciberespaço é onde tu estás quando estás ao telefone” -- a questão é que a comunicação em tempo real entre duas pessoas distantes apenas cria um espaço consensual extemporâneo, cuja arquitectura surge e colapsa na duração dessa mesma conversa. O telefone é o primeiro sinal de telepresença -- a nossa voz surge em dois locais distintos ao mesmo tempo – mas funciona como a máquina beam-me-up-Scotty!: parece não existir nada entre o ponto de chegada e o ponto de partida (embora Barlow, brilhante, tenha pressentido diferentemente).
As máquinas não só desviaram essa comunicação para um tempo duplamente síncrono/assíncrono – criando os delays necessários a um certo prolongamento da vida dessa arquitectura – como, fundamentalmente, trouxeram um cada vez maior número de mentes humanas a residir nessa terra de ninguém, em que todos negoceiam protocolos antes de lhe aceder, de modo a tornarem-se compatíveis. Do ponto de vista das máquinas – não justamente dos filósofos e teóricos da comunicação – isto é o ciberespaço.
Relembremos a declaração de Alan Dykes nas páginas do Amiga Magazine no longínquo ano de 1995: «Há um século atrás, assim somos levados a crer, as jeans Levis usavam-se como genuína roupa de trabalho; baratas e funcionais. Hoje são um acessório caro, uma etiqueta de um estilo de vida. Que hipóteses tem a Internet?».
Esperemos que Dykes se tenha enganado redondamente. Muito embora assistamos com algum fastio a anúncios de cyberjeans e quejandos (proximamente numa loja perto de si: cyberburguers, cybercotonetes e cyber-sopas instantâneas); muito embora a Internet possa ter sido furtada ao iluminado e esotérico monopólio de uns não sei quantos investigadores de gabinete e hackers empedernidos – e realmente colocado alguma pressão sobre a liberdade de expressão, disso não duvidemos – o que importa é que a sua popularização mudou as nossas vidas. E quem não se lembra quanto as mentalidades mudaram quando as calças de ganga entraram na moda?
This is the long distance call
Paul Simon, “The Boy in the Bubble”
Já lá vão mais de trinta anos desde que as primeiras duas máquinas falaram entre si -- note a antropomorfização semântica -- utilizando o protocolo TCP/IP. Quer isso dizer que muitos de nós, a acreditar no perfil de leitores, somos já de uma época telemática. Enfim, para ser um pouco mais correcto, o ciclo da telemática começou há mais de um século, com Franklin, Morse, Marconi, Edison e alguns outros aventureiros. O mundo eléctrico, implosivo, atemporal, iniciou-se algures aí. E o ciclo que de certo modo se fechou com o TCP/IP é o do paradigma do bidireccionalidade. Ligar a Costa Leste à Costa Oeste através de uma gigantesca linha férrea. Ligar a Europa à América por um cabo submarino. Eis o sonho entre-os-séculos: ligar dois pontos distantes entre si, tornando a passagem de um para o outro o mais rápido possível até ao tempo real.
A 2 de Setembro de 1969 começou outro tempo: o tempo da mediação telemática entre sistemas de informação maquinais, mais rigorosos, talvez, mas menos complexos e ricos que os sistemas de informação biológicos (leia-se: mentes humanas). No entanto, os primeiros aportam uma enorme vantagem: podem ser partilhados entre várias pessoas enquanto nós, tanto quanto saiba, ainda não conseguimos viver “dentro da cabeça” uns dos outros.
O que o TCP/IP antecipou é a alocação de um espaço – ou de uma ideia de espaço – ao mundo virtual, essa terra de ninguém que irrompe na distância que separa duas pessoas. Esse espaço -- genialmente sintetizado por William Gibson como uma “alucinação consensual” -- pôde ser, finalmente e através das máquinas, negociado colectivamente e manter-se de uma forma não perene.
Se é a John Perry Barlow que continuamos a dever a melhor explicação (porque mais simples) deste lugar afísico – “ciberespaço é onde tu estás quando estás ao telefone” -- a questão é que a comunicação em tempo real entre duas pessoas distantes apenas cria um espaço consensual extemporâneo, cuja arquitectura surge e colapsa na duração dessa mesma conversa. O telefone é o primeiro sinal de telepresença -- a nossa voz surge em dois locais distintos ao mesmo tempo – mas funciona como a máquina beam-me-up-Scotty!: parece não existir nada entre o ponto de chegada e o ponto de partida (embora Barlow, brilhante, tenha pressentido diferentemente).
As máquinas não só desviaram essa comunicação para um tempo duplamente síncrono/assíncrono – criando os delays necessários a um certo prolongamento da vida dessa arquitectura – como, fundamentalmente, trouxeram um cada vez maior número de mentes humanas a residir nessa terra de ninguém, em que todos negoceiam protocolos antes de lhe aceder, de modo a tornarem-se compatíveis. Do ponto de vista das máquinas – não justamente dos filósofos e teóricos da comunicação – isto é o ciberespaço.
Relembremos a declaração de Alan Dykes nas páginas do Amiga Magazine no longínquo ano de 1995: «Há um século atrás, assim somos levados a crer, as jeans Levis usavam-se como genuína roupa de trabalho; baratas e funcionais. Hoje são um acessório caro, uma etiqueta de um estilo de vida. Que hipóteses tem a Internet?».
Esperemos que Dykes se tenha enganado redondamente. Muito embora assistamos com algum fastio a anúncios de cyberjeans e quejandos (proximamente numa loja perto de si: cyberburguers, cybercotonetes e cyber-sopas instantâneas); muito embora a Internet possa ter sido furtada ao iluminado e esotérico monopólio de uns não sei quantos investigadores de gabinete e hackers empedernidos – e realmente colocado alguma pressão sobre a liberdade de expressão, disso não duvidemos – o que importa é que a sua popularização mudou as nossas vidas. E quem não se lembra quanto as mentalidades mudaram quando as calças de ganga entraram na moda?
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home