"The successor to politics will be propaganda. Propaganda, not in the sense of a message or ideology, but as the impact of the whole technology of the times."
Marshal McLuhan

domingo

Superfície e superficial

A televisão, mesmo a não-gaulista, sempre foi colaboracionista. Se é verdade que promoveu o conhecimento do Outro e do Mundo, num fenómeno que McLuhan baptizou Aldeia Global, também não é menos correcto reconhecer que, em muitos casos, prolongou a iliteracia, a passividade e o adormecimento. Não se interprete aqui a denúncia da demagogia pública, dos interesses privados ou da programação-lixo, pois essa é a parte visível e de menor pericolosidade da televisão. A preversidade do «medium» passa-se um pouco mais profundamente, como fenómeno que agita comportamentos e cognição.
Muito por culpa dela vivemos em satisfação plena: em termos narrativos o supérfluo chega-nos; a devassidão da identidade torna-se atracção, mais ou menos como Wahrol previu; e na informação abraçamos a lógica da «náusea» (nas palavras de McLuhan: «a irritação tem um enorme "poder de atrair a atenção" e aqueles que se irritam desta forma são consumidores em quem se pode confiar. A náusea tornou-se, pois, um novo princípio quer da publicidade quer da estética»). A náusea como princípio estético e mecanismo mesmerizador teve, ou tem, o seu preço. A televisão deu-nos um simulacro da realidade omnipresente, repetitivo, e (quase) impossível de resistir.
Por outro lado, a TV é fluxo. Tal a descrevia Orson Wells: «como a água que escorre na cozinha». A televisão não tem princípio nem fim: está sempre lá. Sempre que alguém está em casa, é normal a televisão estar ligada pois ela não nos exige nem envolve atenção particular. É um bibelô que nos despeja na sala representações banais e incapazes de nos modificar a vida e, deste modo, de nos comprometer.
Ora é esta mesma televisão que agora pretende tornar-se inteligente. Pretende dizer-nos: olha para além da superfície do ecrã. Perscuta-me as minhas textura e profundidade. Dá-me atenção, interage comigo. Como uma criança autista que, de súbito e num excesso de comunicação, pretende convencer-nos a comprar um time sharing. Isto não vai funcionar nunca.